26 janeiro, 2017

FOTO MÍSTICA #2 - Pavão [1973]

O FOTO-MÍSTICA é um espaço de registo e divulgação da história do FUTEBOL CLUBE DO PORTO. O objectivo é recordar os seus momentos, os seus valores, os seus princípios, a sua cultura, a sua marca, a sua dimensão, as suas gentes. Numa palavra: a sua MÍSTICA. Todos são convidados a participar nesta viagem. Se pretenderem ver divulgada uma fotografia em especial, podem enviar e-mail para rodalma@hotmail.com.



Época: 1973/1974.
Local: Estádio das Antas, Porto.
Data: 16.12.1973.
Resultado: FC Porto 2 x 0 Vitória de Setúbal.
Aparecem na fotografia: Pavão e Dr. José Santana.
Nenhum dia será tão marcante para o Estádio das Antas e para muitos dos portistas já adolescentes e adultos na década de 70 como aquele 16 de Dezembro de 1973, dia de chuva miúda, a chamada “morrinha” portuense.

Ao minuto 13 da jornada 13 do Campeonato Nacional, defrontavam-se FC Porto e Vitória de Setúbal, Fernando Pascoal Neves – por todos conhecido como Pavão por jogar e driblar com os braços bem abertos – recebe a bola no meio-campo, manda a equipa avançar e, como tantas vezes fizera ao longo da sua (ainda) curta carreira, descobre o melhor seguimento a dar à jogada de ataque. Encontra Oliveira solto no lado direito e endereça-lhe a bola, incentivando “Vai, miúdo!”. Dá um passo em frente e cai inanimado, de bruços, sobre o verde tapete das Antas. Nunca mais se levantaria.

Logo ele que, como depois diria o Dr. José Santana, médico do clube à época, “era homem que não fazia fitas”. Antes da trágica queda, um homem está mais perto de Pavão do que todos os outros. É Octávio Machado, atleta do Vitória de Setúbal de José Maria Pedroto. O natural de Palmela e Rodolfo Reis são os primeiros a acercar-se de Pavão. Vêm o jovem flaviense a revirar os olhos, branco, todo encolhido. Bené deita as mãos à cabeça. Pouco depois chegará também o Dr. José Santana que, apercebendo-se do coma e à falta do desfibrilhador (só chegará ao clube em 1977 por intermédio do Dr. Domingos Gomes), ordena que de imediato se transporte o jogador para o Hospital de São João. A ambulância sai pela Porta da Maratona. A fotografia, podemos ver, revela a urgência e apreensão de todos, desde o médico até aos maqueiros de serviço. De nada servirá. Dentro de 1h30 Pavão já não pertencerá ao mundo dos vivos.

Mas isto é algo que naquele momento ninguém sabe, inclusivé a mulher de Pavão, que assiste a tudo da bancada. Por isso, o jogo continua. Sai Pavão e entra Vieira Nunes para o seu lugar. Chega o intervalo e o mal-estar é evidente, sendo preciso dar ânimo aos jogadores, visivelmente transtornados. Tibi, o guarda-redes portista naquela tarde, relata que lhes disseram nos balneários que “ele estava a melhorar”. A instalação sonora, apercebendo-se também do nervosismo nas bancadas, anuncia aos adeptos que Pavão se encontrava a recuperar. Os jogadores e adeptos são assim poupados das más notícias e, talvez por isso, fazem das tripas coração e conseguem dois golos na 2ª parte, por intermédio de Abel e Marco Aurélio.

Os golos são festejados com o pudor próprio de quem pressente uma desgraça. Não há sorrisos nem cânticos nas Antas que, a pouco e pouco, começam a antecipar uma espécie de cerimónia fúnebre colectiva. A cerca de 10 minutos do fim da partida, um apanha-bolas susurra a Tibi o que todos temiam: “O Pavão morreu”. O mesmo murmúrio começa também a ecoar pelas bancadas. Primeiro baixinho, de forma imperceptível, a medo, como se não fosse verdade. Mas era. Cai sobre as Antas, então, um silêncio ensurdecedor. O FC Porto e o Vitória de Setúbal enfrentam os minutos finais mais penosos de sempre, vagueando pelo relvado sem alma nem objectivo.

À falta de internet, os adeptos socorriam-se então dos rádios portáteis e é desses pequenos aparelhos que lhes chega a confirmação oficial da morte de Pavão. O jogo acaba e os jogadores abraçam-se. A comoção é geral, uma tragédia. Ninguém é capaz de resumir a insignificância do resultado desse dia como o defesa Guedes, afogado em lágrimas: “Meu Deus, como é triste esta grande vitória”. Pedroto, inconsolável, diz que aquele dia 16 de Dezembro é o mais triste da sua vida.

No dia seguinte, o JN titula “Pavão fez um passe e depois morreu”. O DN refere “Octávio em pranto. Pedroto sem voz”. Espreitando pela cortina deste jogo, podemos ver a morte de Pavão como uma dramática machadada no portismo. Estávamos em 1973, no tempo da Outra Senhora, em plena época de jejum de títulos após o já longínquo campeonato de 58/59, quando finalmente Bella Guttman e jogadores da qualidade de Pavão, Rodolfo e Oliveira faziam de novo acreditar na possibilidade de trazer um título para o Norte do País. A eles estava prestes a juntar-se Teófilo Cubillas, um dos melhores do mundo da altura, com apresentação agendada para o dia seguinte a este encontro. O clube recuperava a confiança depois da saída tumultuosa de Pedroto, que em Setúbal mostrava de novo toda a sua mestria e construía um poderosíssimo Vitória.

Mas aquele último passe de Pavão aos 13 minutos, cujo "Vai, miúdo" simboliza a transferência das esperanças do portismo dos anos 70 para os pés de Oliveira, acabou por ceifar pela raiz grande parte das confiança que o clube depositava naquele ano de 1973. E, ironias e coincidências do destino, no banco adversário estava José Maria Pedroto, o homem por quem muitos suspiravam e desejavam ver regressar ao leme dos azuis-e-brancos (Pedroto havia de regressar ao clube 3 anos depois, pela mão de um Pinto da Costa Director do Departamento de Futebol, para construir definitivamente o Porto que dominaria o resto do século XX português).

O resultado final indicava uma vitória para o FC Porto. Mas nunca como aí a derrota do clube fora tão grande, tão avassaladora, tão definitiva. Logo depois do jogo, havia Dale Dover para ver no Pavilhão Américo de Sá num FC Porto x Barreirense. O pavilhão estava cheio, mas só se ouvia o eco da bola laranja a saltar tristemente no taco, como se fossem socos e pancadas secas no coração dos portistas.

A morte de Pavão foi objecto de diversa controvérsia, desde a inexistênca de um desfibrilhador até aos supostos cházinhos mágicos de Bella Guttman, passando pela causa médica (estenose aórtica) e pelo seguro de vida feito pelo próprio algumas semanas antes. Várias hipóteses, muitas conjecturas, poucas confirmações. É nas palavras de Alexandra Neves, filha única de Pavão, que encontramos talvez a solução simples para esta tragédia:

“Um jogador fabuloso que suava a camisola.
Tanto a suou que acabou por morrer com ela vestida”.
Pequeno apontamento biográfico:
Pavão nasceu em Chaves a 12 de Agosto de 1947. Iniciou a carreira no Desportivo de Chaves e foi trazido para o FC Porto por Artur Baeta, a troco de 300 contos. Foi promovido à equipa principal e lançado às feras pelo treinador brasileiro Flávio Costa com apenas 18 anos, num jogo caseiro contra o Benfica, com vitória por 2x0. Rezam as crónicas que terá metido no bolso mais pequeno Mário Coluna, um dos melhores jogadores do adversário. Com Pedroto, um ano depois, Pavão recebeu a braçadeira e foi eleito o dono do meio-campo portista, tornando-se no jogador mais jovem a envergar a braçadeira azul-e-branca. No ano seguinte, conquista a Taça de Portugal no Jamor, diante do Vitória de Setúbal, naquele que foi o único título clube no longo jejum de 19 anos. Fez 12 jogos pela Selecção, estreando-se em Lourenço Marques, frente ao Brasil. Foi o primeiro a ser substituído, pese embora Artur Jorge (então jogador do Benfica), cheio de humildade, ter assumido no fim “substituí o melhor jogador”. Dizia-se naquela altura que o Manchester United de Tommy Docherty namorava o médio portista, a ponto de avançar para uma proposta concreta, o que permitiria a Pavão e à sua mulher custearem as despesas do projecto de um bar na Invicta. Quando morreu tinha 26 anos. Deixou mulher e uma filha.
O FC Porto mandou erguer um busto em homenagem a Pavão, nas Antas, à entrada do antigo Departamento de Futebol. Hoje a estátua encontra-se dentro do Estádio do Dragão, perto da zona de acesso aos balneários.
Passados 10 anos da morte de Pavão, com Pinto da Costa já na presidência, o clube atribuiu uma pensão à família do jogador, de forma a pagar os estudos da sua filha. Pavão repousa no Cemitério de Agramonte, no Mausoléu do FC Porto.

FONTES UTILIZADAS, A QUEM AGRADECEMOS:
  • MaisFutebol
  • Diário de Notícias
  • Jornal de Notícias
  • Futebol Magazine
  • Jornal i
  • O Sol
  • www.paulobizarro.blogspot.com
  • BiBó PoRtO carago!!
  • Reflexão Portista
  • Memória Porto
  • www.foradejogo.net
Rodrigo de Almada Martins













2 comentários:

  1. Era um Princípe, o jogador que mais me marcou quando comecei a apreciar mais o futebol eu estava lá PAVÂO como sempre estava a fazer um grande jogo , foi uma tarde muito triste

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  2. ARREPIANTE!!!!!! De lágrima no olho..
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