22 setembro, 2016

NO FIO DA NAVALHA?


E ao oitavo dia, Espírito Santo desceu à terra. Amanhã, caso não abra os olhos, poderá começar a sentir o crepitar das chamas do inferno. Assim é o purgatório dos treinadores do Dragão nos dias que correm.

De nada valerá recorrer ao exemplo do todo poderoso e omnipotente Jesus, que com mais um ano de rotinas e muitos, muitos mais anos de experiência e matreirice, quase foi goleado em Vila do Conde. Pergunto-me: estivesse Jesus no FCPorto atual, teria tanta margem para dizer as alarvidades que diz e fazer as asneiras que faz?

Aliás, o Sporting de Jesus até é um bom ponto de partida para uma pequena reflexão sobre como os treinadores são tratados em ambos os clubes.


Na época 2015/16, os feitos leoninos foram:
    2º na liga, com 29v 5e 2d. 79 gm 21 gs
    Eliminado nos oitavos de Final da Taça pelo Braga
    Eliminado na Fase de Grupos da Taça da Liga
    Eliminado no Play-off da Champions pelo CSKA Moscovo
    Eliminado nos 16 avos da Liga Europa pelo Bayer Leverkusen
    Vencedor da Supertaça contra o Benfica
Como dado de comparação, deixo as estatísticas do último treinador a completar uma época inteira no Porto, neste caso a época 2014/2015:
    2º na liga, com 27v 7e 2d. 74 gm 13 gs
    Eliminados na primeira eliminatória da Taça de Portugal pelo Sporting
    Eliminados nas meias-finais da Taça da Liga pelo Marítimo
    Qualificados no play-off da Champions contra o Lille
    Eliminados nos Quartos de Final da Champions pelo Bayern
    Não tivemos acesso à Supertaça
Com dados estatísticos tão semelhantes entre Jesus e Lopetegui, como é possível um ser visto como a encarnação da esperança leonina, e outro como o coveiro do FC Porto?

Simples: Comunicação!

Bem ou mal, assistimos na época passada a uma cruzada de Bruno de Carvalho, Octávio Machado, Inácio, Jaime Marta Soares, paineleiros e tudo o que fosse conotado de verde e branco contra o benfica, vouchers, árbitros, conselho de arbitragem, fundos, UEFA... resumindo, a tudo o que mexesse. Este ruído, por vezes com contornos de gritaria histérica, atingiu o expoente máximo em Outubro com o caso dos vouchers (Programa Prolongamento da TVI em 06/10/2015).

Curiosamente, nos 15 dias anteriores a este programa, o Sporting atravessava uma das fases mais cinzentas da época, com os empates fora com Besiktas e Boavista, contundente derrota caseira (1-3) com o Lokomotiv de Moscovo e uma vitória arrancada a ferros nos últimos minutos a um Nacional com menos 1, em pleno estádio de Alvalade.

Ou seja, perante a onda de contestação que vinha crescendo nas hostes leoninas, face ao avultado investimento que representou a contratação de Jesus, o reforço do plantel e a gestão do caso Carrilo, Bruno de Carvalho resolveu agir. O caso dos Vouchers, e consequente mediatismo, foi claramente uma manobra de diversão que afastou a atenção do treinador e equipa, permitindo-os respirar num período mais sensível. A folgada vitória ao Guimarães na véspera do programa, foi um bem-vindo bónus, numa ação estratégica pensada antecipadamente.

E nós?

Lopetegui, abandonado e proscrito, já é passado. Nuno, não se transcendendo rapidamente, arrisca-se a seguir as pisadas do seu antecessor (sim, estou a omitir Peseiro propositadamente).

Nuno não tem o luxo de poder ser goleado por um Skenderbeu, ou apanhar 3 de um Rio Ave, porque cada espirro, cada suspiro que dê, é escrutinado ao ínfimo pormenor. A bipolaridade doentia, chega ao ponto de uma mudança tática ser louvada num fim de semana, e contestada na semana seguinte pelos mesmos que a elogiaram. Confuso?

Confesso não possuir o ilustre grau de doutoramento como treinador de futebol, que a maioria dos especialistas comentadores de blogs e redes sociais portistas têm. Na minha humilde condição de treinador de bancada e sofá, penso que, qual criança que tenta concluir um puzzle, é por demais notório que existem muitas incertezas na cabeça de Nuno Espírito Santo (NES), curiosamente agravadas no momento em que recebeu os nossos jogadores mais talentosos - Brahimi e Óliver.

Enquanto não lhe surge, com a devida brevidade, o insight mágico de como colocar o FC Porto a jogar de acordo com o emblema que traz na camisola, NES necessitava de alguém que o protegesse, a ele e à equipa. Alguém que unisse o universo portista contra uma causa comum. Alguém que lhe permitisse ter o pozinho de tempo necessário para consolidar as suas ideias com serenidade.

Motivos não faltarão decerto a esta causa. Desde a dualidade de critérios da arbitragem, sempre em nosso prejuízo, até às equipas que mudam de tática de jogo consoante o encarnado das camisolas. Contudo, essa união nunca poderá ser alcançada com tiros de pólvora seca, como são as comunicações de newsletters ou posts em redes sociais. É preciso que se dê a cara! Não (só) no periférico Porto Canal, mas sim nos principais canais televisivos, imprensa, liga. Na UEFA se necessário.

A pessoa a dar a cara, teria que ser Jorge Nuno Pinto da Costa, obviamente!

Cresci a ver as entrevistas televisivas dele como momentos prime-time, com alcance desde o clube, a rivais, e até mesmo a órgãos de decisão político. No entanto, no período em que mais precisamos da voz que nos una, o Presidente "demite-se" do seu papel. Atualmente, Pinto da Costa mais se assemelha a um qualquer ator famoso de um filme antigo, que lá vai aparecendo fugazmente de longe em longe, mais para negar a certidão de óbito, do que propriamente para fazer alguma ação digna de relevo.

Se Pinto da Costa não se sente numa plenitude de saúde para exercer esse papel, ou tiver outro tipo de pressão que o impeça, delegue-o oficialmente. Seja Luís Gonçalves, seja outra pessoa. Alguém da estrutura deve dar a cara pelo clube, protegê-lo. Proteger o clube é proteger os seus activos. Desde o nome, marca, identidade aos seus desportistas e técnicos.


Nuno deve ser avaliado pelos resultados e pela sua competência. Não pelo acumular de frustrações de várias épocas sem conquistas. Os frutos da competência de um treinador vêm-se em Maio. A sua permanência, ou não, no clube também. O futuro próximo de Nuno não pode estar condicionado por um eventual empate com o Boavista e/ou derrota com o Leicester.

Enquanto a lâmina da guilhotina pairar sobre os treinadores do Dragão, ao sabor dos resultados, muito difícil será tornarmo-nos a equipa temida e poderosa que outrora fomos.

O Futebol está repleto de exemplos de fracos começos e fins vitoriosos. Basta olhar para o slb da época passada e para a nossa Seleção.

Antes da sentença, cujo esboço já começa a tomar contornos definitivos no universo portista, há que dar margem de manobra a NES.

Ou muito provavelmente, o Inferno será o nosso lar para a presente temporada.

9 comentários:

  1. O inferno foi ter Lopetegui, Peseiro e NES. Isso é que é o inferno.

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  2. Fantastica opinião.
    Subscrevo por completo.
    JNorton

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  3. Muito bom! Bravo!

    Lopetegui, se tivesse sido escudado e protegido, se tivesse sido secundado no ataque ao colinho e na protecção do seu bom nome, teria sido campeão. O gavitas à volta dele na segunda temporada não teria, certamente, criado aquele desastre. Nem haveria hipóteses de um tetra bromelho, nem fins de hegemonias, nem desvalorizações de plantel.

    Lesivo a nós, mais do que contra-campanhas e freteiros, é este monástico silêncio.

    A pergunta vai passar a ser: quem é o treinador que se disporá a ser assado em lume brando um ano inteiro, a ver o seu bom nome destruído, pelos de fora e os da casa?

    Quem serão os jogadores que quererão vir para um Clube que os deixa ao sabor de maniqueísmo vários quando, a 300 km, poderá ser um herói nacional?

    Não é só se fala ou não alguém, é o MAL QUE ISTO FAZ!

    Parabéns Hugo, subscrevo!

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  4. Para quem entende que, na Luz, na Madeira, em Belém, se a SAD gritasse muito alto teríamos ganho aqueles jogos é a mesma coisa dos que acham que se de Coimbra para cima se nos lembrássemos de mijar todos ao mesmo tempo, a mouraria morreria afogada.
    Continuem a achar que Lopetegui, Peseiro e NES são gente com capacidade e não medíocres, depois queixem-se que nem no purgatório entramos.

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  5. Fosse o futebol jogado pela internet e o nosso clube seria, desde já, o campeão nacional.
    Sejam os jogadores (Casillas, aqui, é mais rei do que nas balizas), o treinador ou, pasme-se, a própria "estrutura", rara é a semana em que não dão uso ao facebook e afins.
    Para a maioria dos adeptos, porém, é no relvado que mais os queríamos ouvir.

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  6. Não lia uma opinião assim tão sensata na "bluegosfera", já nem sei bem há quanto tempo.

    Parabéns pela lucidez.

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  7. http://cdn.record.xl.pt/2016-09/img_770x433$2016_09_20_01_31_54_1159010.jpg

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  8. Gostaria de ter sido eu a escrever esta prosa!
    Subscrevo plenamente.

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  9. mas desde quando se pode criticar o presidente,desde quando se pode criticar o treinador,desde quando se pode assobiar,desde quando se pode contrariar aqueles que dizem:"tivemos 19 anos sem ganhar"desde quando se pode questionar as claques tao activas noutros tempos e agora tao keep calm, desde quando se assume uma vez na vida que a net nos transformou a todos,ate no DIREITO A OPINIAO.

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