10 julho, 2011

Capítulo 4: 1931 a 1940 – À conquista do futuro; Bicampeão! (Parte XIX)

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FCPorto – Dragões de Azul Forte
Retalhos da história, conquistas e vitórias memoráveis, figuras e glórias do
F. C. do Porto


Capítulo 4: 1931 a 1940 – À conquista do futuro; Bicampeão! (Parte XIX)

Como calar César…
A Federação Portuguesa de Futebol propôs ao seu Congresso a irradiação do Dr. Ângelo César Machado, presidente do FC Porto, por ter instado a equipa a abandonar o campo nas Amoreiras, no jogo com o Benfica para a Taça de Portugal 1938-39 (2.ª mão das meias-finais), e pelas declarações que fizera em defesa do seu clube na questão do encontro anulado com o Académico do Porto.
Ângelo César (ao jeito do que, muitos anos depois, haveria de fazer Pinto da Costa) insurgia-se contra o despotismo de Lisboa e as tentativas de colonização do Porto, contra os jogos de bastidores para prejudicar o FC Porto, contra o conluio de dirigentes alfacinhas e árbitros que, dizia, ambicionavam que Benfica, Sporting e Belenenses continuassem a dominar o futebol português. Num país em que a lei da mordaça imperava, em que a censura dominava a seu bel-prazer, em que a submissão era um tributo, espantava que César dissesse o que dizia, que tivesse a coragem que afrontava os “senhores” de Lisboa.
Foi assim, sem surpresa, que a FPF decidiu, no final da época de 1939-40, irradiar o presidente do FC Porto para… o calar! Os associados portistas, ripostando, fizeram do presidente irradiado, num acto de profundo simbolismo e grandíssimo amor clubista, presidente da Assembleia-geral do FC Porto. Para presidente da Direcção foi escolhido Pires de Lima, que era, então, um dos mais notáveis deputados da União Nacional.
Refira-se, e não deve ter sido por inocente coincidência, desde que a voz incómoda de César foi amordaçada, começou o calvário das arbitragens súcias que, de forma despudorada, prejudicavam sucessivamente o FC Porto.

Dr. Ângelo César Machado (n. Andrade, Resende, 4 Mar.1900 – m. 12 Jul.1972), advogado, poeta e escritor; Presidente do FC Porto entre 9 Set.1938 e Jul.1940. Ao assumir a presidência do FC Porto em Setembro de 1938, Ângelo César confrontou-se com a necessidade de recuperar o clube de uma crise financeira sem precedentes e tomou as medidas adequadas.
• Encetou de imediato o saneamento financeiro de que encarregou o tesoureiro da sua Direcção, José Donas. Do programa constava a revisão de ordenados de jogadores, a anulação de prémios de vitória no Campeonato Regional, pelo estabelecimento de multas quando se verificasse que o jogador não cumpria, com brio desportivo, o seu dever, ou quando faltasse aos treinos; estipulou-se que a equipa devia regressar ao Porto no mesmo dia (sempre que jogasse em Lisboa), promoveu-se a captação de novos associados e o aumento de quotizações, etc. Determinou obras no Campo da Constituição para aumentar a capacidade para 20 mil espectadores
• Todavia, o que marca a presidência de Ângelo César são dois acontecimentos de cariz diferente:
- A conquista do primeiro Bicampeonato da história do FC Porto, nas épocas 1938-39 e 1939-40, sob o comando de Miguel Siska que ele contratou quando despediu François Gutskas.
- A sua irradiação pela FPF (Federação Portuguesa de Futebol), a pretexto de ter instado a equipa a abandonar o campo nas Amoreiras, em jogo com o Benfica para a Taça de Portugal 1938-39, e de ter proferido declarações “impróprias” em defesa do seu clube na questão do encontro anulado com o Académico do Porto na época 1939-40.
• Mas, efectivamente, a razão da irradiação estava no facto de Ângelo César ser uma voz incómoda, muito incómoda, para o poder desportivo sediado em Lisboa. Ele, que até havia sido uma figura grada ao regime político vigente, acusava publicamente o órgão federativo de favorecer os clubes da capital, insurgia-se contra as arbitragens que prejudicavam as equipas do Norte beneficiando as do Sul, clamava, em suma, por justiça, por equidade. Essa postura e o facto de a exercer, energicamente, em defesa do “inimigo” de Lisboa, o FC Porto, condenou-o à irradiação.
O grito de revolta ecoou por toda a cidade do Porto e, num acto louvável e de grande simbolismo, os associados portistas nomearam Ângelo César presidente da Assembleia-geral do clube.
• Da gestão desportiva de César, realce também para o primeiro título de Campeão Nacional de Andebol de 11 e para as contratações de excelentes futebolistas de que se destacam os jugoslavos Kordnya e Petrak e o húngaro Andrasik.
Ângelo César Machado foi agraciado com o título de Presidente Honorário do FC Porto, em 17 Nov.1944.
• Ângelo César, um notável Presidente Portista!

Jul.1940 – Com o Dr. Augusto Pires de Lima na presidência, na época 1940-41 o FC Porto falhou o tricampeonato e iniciou uma longa “travessia do deserto” em termos de títulos. Cedo se confrontou com a “guerra Norte-Sul” na disputa de jogadores e, pior que isso, com os “anjos negros” em que se transformaram os árbitros, regra que haveria de tornar-se presente anos a fio… Com as receitas em queda e de cofres vazios, o clube passava por dificuldades e os resultados desportivos no futebol não ajudavam. A Pires de Lima, homem grado do regime, sucedeu José Sousa Barcellos em Set.1941.

Secção de Pesca Desportiva, fundada em 1940
E foi o FC Porto o primeiro clube a organizar provas de competição nomeadamente de mar, em 1948. Ao longo dos anos, dos melhores pescadores portugueses integraram a equipa portista, tendo alguns representado Portugal nas Selecções Nacionais de Mar e Rio.

Equipamentos da década 1931/1940 – No início e ao longo de grande parte da década 1931-1940, os jogadores portistas envergaram o equipamento surgido no fim da década anterior: camisola com três faixas azuis, estreitas, e um elegante colarinho em V sem gola; calções azuis e meias debruadas a branco (ilustrado com a referência [1930] e que pode ver também neste LINK). Com este equipamento o FC Porto conquistou o Campeonato de Portugal 1931-32 e o 1.º Campeonato Nacional/Liga em 1934-35.
• 1933 – Entrementes e esporadicamente apareceu no dorso dos atletas uma camiseta algo insólita: tinha ainda três faixas azuis mas a faixa do meio não era centrada, situando-se mais à direita do vértice do V do colarinho! Foi com este equipamento que, em 4 Jan.1934, o FC Porto deslumbrou ao bater por 3-0 a equipa-maravilha da Europa, o “First Vienna FC”, num jogo realizado à hora do almoço. Entre Pinga, Waldemar Mota e Acácio Mesquita foi tal o entendimento e a exibição, que ficaram para sempre os “três diabos do meio-dia”.
• Em 1936 a equipa de futebol apresentou-se com um equipamento cuja camisola seria modelo padrão no futuro. Duas listas verticais azuis e uma central branca, largas, o colarinho redondo em branco, são uma imagem de marca. Que a nossa memória fixou, mais tarde, ao longo de muitos anos e espantosas conquistas… Com este “jersey”, calções azuis e meias da mesma cor abainhadas a branco, o FC Porto venceu, na época 1936-37, o seu 4.º e último Campeonato de Portugal (esta prova daria lugar, em 1938-39, à Taça de Portugal).
• 1938 – Na época de 1938-39 a equipa azul-e-branca venceu o primeiro campeonato sob o comando de Miguel Siska. A camisola de faixas largas estava agora associada a calções brancos e meias de azul por inteiro.
• 1939 – No bicampeonato de 1939-40, Siska viu os seus pupilos exibirem, de novo, os célebres cordões no colarinho com gola azul numa camisola onde as duas listas azuis e a branca (ao centro) eram agora ainda mais largas. O azul dos calções era de tonalidade mais clara.

Sublinhe-se que ainda não foi desta que o emblema do Clube apareceu nas camisolas. Ao longo de toda a década em análise, o símbolo do FC Porto esteve ausente dos equipamentos. Como já se disse anteriormente, o magnífico distintivo apenas a partir de 1955 foi exibido com carácter permanente nas camisetas azuis-e-brancas.

Efeméride da década 1931-1940 – Abel Salazar é afastado do ensino por motivos políticos
A equipa do FC Porto havia saído vencedora, em Maio desse ano de 1935, do primeiro Campeonato Nacional (Liga). Um brilhante triunfo, apesar dos empecilhos que o despotismo de Lisboa lançou para o caminho da equipa portuense. Por essa altura, a situação política em Portugal degradava-se a olhos vistos.
A Ditadura não admitia vozes críticas ou a divulgação de ideias democráticas. E assim, sem surpresa, Abel Salazar foi afastado da Universidade do Porto em Junho de 1935. E como as ditaduras não são originais, o motivo invocado para o expulsar foi "a influência deletéria da sua acção pedagógica sobre a mocidade universitária".
Na Grécia Antiga, Sócrates ouvira o mesmo. Tudo o que restava do Laboratório de Histologia de Abel Salazar coube numa carroça. Foram também expulsos outros professores da Universidade do Porto, como Aurélio Quintanilha, Manuel Rodrigues Lapa, Sílvio Lima e Norton de Matos.
Abel Salazar (1889-1946), médico, cientista, professor, artista plástico, crítico de Arte, prosador e pensador, formou-se na Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Em 1919, apenas com 30 anos, foi professor catedrático de Histologia e Embriologia. Nesse mesmo ano fundou e dirigiu o Instituto de Histologia e Embriologia que, com dotação financeira irrisória, lutou sempre com a aflitiva falta de recursos; o que não desencorajou Abel Salazar a conseguir realizar aí brilhantes trabalhos de investigação.
Como professor, foi original: nas aulas seguiu uma inovadora orientação pedagógica, com a qual defendia um ensino aberto apoiado na observação, na investigação e na discussão científica e promovia o auto-didactismo dos alunos.
Na sua vertente de investigador, efectuou várias pesquisas para clarificar a estrutura e evolução do ovário, criando o famoso método de coloração tano-férrico. O seu trabalho ganhou fama mundial.
Fora da Universidade centrou, então, as suas preocupações no domínio dos problemas sociais, filosóficos (ideais progressistas), políticos (antifascistas), estéticos e literários, assim como na produção artística.
A morte de Abel Salazar, em Dez.1946, transformou-se, ao mesmo tempo, num momento de contestação ao regime e numa imensa e invulgar manifestação de luto. Milhares de pessoas desfilaram, no Porto, perante o corpo do "sábio" em câmara ardente e ainda mais acompanharam o cortejo fúnebre.
"Inteligência deslumbradora, tudo abrangendo e tudo compreendendo; sempre numa atitude de firme tolerância, que é a única arma capaz de romper os diques que a intolerância opõe à libertação do espírito; alma de generosidade espontânea, dissipando às mãos cheias os primores da Ciência e da Arte para que todos os colham e considerem seu património; Abel Salazar é figura dum transcendente humanismo, ultrapassando o tempo e o meio em que viveu" – do discurso proferido pelo Dr. Eduardo dos Santos Silva no funeral do Professor Abel Salazar.
[Fontes várias; dados biográficos do sítio da Universidade do Porto]
  • No próximo post.: Capítulo 5, 1941 a 1950 – O centralismo da capital e o jejum (Parte I) – Época 1940-41; Campeonato Nacional (1.ª Divisão); Taça de Portugal; a queda no charco...e os “anjos negros”; época 1941-42; presidente José Sousa Barcellos; Campeonato Nacional; Correia Dias (FC Porto), melhor marcador; Taça de Portugal; biografia de João Lopes Martins.
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13 comentários:

  1. Mais um grande post e a certeza de que isto é em grande. Aliás já estava à espera...
    Lá está o equipamento padrão que veio desde a década dos anos 30 até ao ano 2000... e, entre as transformações sofridas nos últimos anos, teve a da época de 2000 / 20001, agora reeditada para 2011 / 2012, com uma variante de risca ao meio azul... Não vou bater mais no mesmo, apesar de ficar de pé atrás com essa camisola que da outra vez ficou sem qualquer conquista. Simplesmente não entendo como se pode descaracterizar um símbolo que faz parte do imaginário clubista. Só pergunto: um jovem, adepto hoje, que pouco ou nada conheça do clube que o está a atrair, deve ficar intrigado: afinal qual é a camisola do F. C. Porto?!
    Mas,pronto, esta época é esta a minha camisola, desejando que desta vez se vença e muito com ela, e depressa passe o ano...
    Desculpe, amigo F. Moreira, estes desabafos, mas é entre nós, do mesmo clube, que se devem dizer as coisas, e não diante dos estranhos.
    Abraço.

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  2. A minha homenagem ao PRESIDENTE ÂNGELO CÉSAR, foi um ato de coragem.

    Abraços
    E VIVA O FC PORTO

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  3. Para quebrar a pasmaceira que antecede os grandes acontecimentos, nada como ler estes belos nacos da nossa fantástica história, aqui tão bem relatados pelo F.Moreira.

    Abraço e bom domingo

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  4. Obrigado, no final dos "Retalhos da história" impõe-se a publicação em livro, o meu muito obrigado.


    VIVA O FUTEBOL CLUBE DO PORTO

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  5. Boa tarde,

    Venho por este meio propor uma troca de links entre o seu blog e o meu (http://olhar-futebolistico.blogspot.com).

    Em caso de aceitação agradecia que nos comunicasse via e-mail ou por comentário.

    Abraço

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  6. Artigo sobre a ausência de Hulk da selecção brasileira em
    futebolpoliticamentecorrecto.blogspot.com

    Acho-o interessante, leiam amigos!

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  7. Aqui se prova que o clube do regime, o tão apregoado arauto da verdade desportiva é nada mais nada menos que pioneiro nestas andanças da trafulha!!!

    Normalmente era assim, personalidades incomodas era para abater.

    Se não fosse isso, nesta altura, em vez de finalmente termos ultrapassado o clube do regime em termos de titulos, provavelmente estariamos a festejar o facto de termos o dobro dos deles.

    Mas a capital não deixa!!!

    Abraço

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  8. É de extrema importância que alguém se dedique a relembrar a História. Desta forma se percebe o porqu~e das características deste clube, que tantos anos passados, continua a ser alvo dos medíocres da corte.
    Mas a história das "razões" da irradiação do dr Angelo César, são por si só, uma ode à "transparência", cuja fama, como a do Constantino (brandy famoso na época), já vem de longe...

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  9. Dr. Âgelo César Machado, o nosso Pinto da Costa, nos anos de 1938/39 e 40...;)

    Obrigado Fernando Moreira, mais um grande trabalho!


    BIBÓ PORTO

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  10. "Os associados portistas, ripostando, fizeram do presidente irradiado, num acto de profundo simbolismo e grandíssimo amor clubista, presidente da Assembleia-geral do FC Porto."

    de mESTRE a jogada... mas pelos vistos, o pior veio logo depois, com os resultados por demais já conhecidos e decalcados.

    Ontem, como hoje, não nos querem respeitar... com uma pequena GRANDE diferença... ontem, mandavam/ganhavam eles... hoje, ganhamos nós e por isso, tornamo-los, mesmo que não o admitam, nuns perfeitos submissos.

    ENORME Dr. Ângelo César Machado... um SENHOR já naqueles tempos de pouca ou nenhuma liberdade de expressão!!!

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  11. Uma achega. Não foi só o dr Ângelo César. Mais ou menos 10 anos depois (1953), foi Cesário Bonito.
    Tem sido uma constante, nestes "treteiros", mascarados de sérios, o abate de quem se lhes opõe.
    A mim dá-me gozo, estes muitos anos em que nos fartamos de divertir com o sofrimento destes vermes.
    2010 ficará na História, tantas foram as humilhações infligidas, que nem 100 anos apagarão!

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  12. Caro amigo Vítor Sousa:
    De facto as humilhações são tantas e tão despudoradas que nem… 1.000 chegarão para as apagar até de memórias menos dotadas.

    Mas, enfim, de “treteiros” estamos nós habituados e, sem dúvida, a sua existência ao longo da nobre história do nosso FC Porto encerra um factor positivo: nos capacitarmos que os sulistas não têm outro meio para nos tentarem vencer. Sempre houve “treteiros” e sempre haverá. Cá estamos para lhes dar a resposta adequada. Sempre!

    Quanto a Cesário Bonito (para mim o maior presidente portista a seguir a Pinto da Costa) a seu tempo a nossa história em “Bibó Porto” lhe dará o merecido relevo. Há que respeitar a ordem cronológica.

    Grande abraço.
    Fernando Moreira (Dragão Azul Forte)

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  13. Esqueceram-se referir que Ângelo César esteve na fundação da Milícia Lusitana em 1927 e depois integrou a “Liga Nacional 28 de Maio”, génese da Legião Portuguesa (os delatores do Regime). Ângelo César foi um destacado deputado na Assembleia Nacional, fazendo a apologia de Salazar não só como militante do partido único União Nacional, mas com artigos panegíricos a Salazar e ao Fascismo. Ele e Urgel Horta, certamente dão voltas na campa cada vez que um portista associa o Benfica com Salazar.

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