14 maio, 2008

Contas finais: os protagonistas

‘Nortada' do Miguel Sousa Tavares

Ah, onde estão, onde estão agora, major, os amigos de ontem? Os que diziam que era mais importante estar associado a si do que ter uma boa equipa de futebol?

Comecemos pelo fim a ronda pelos principais protagonistas desta Liga.

Rui Costa

Só não saiu em grande, como merecia, porque saiu a carregar aos ombros a tristeza do futebol do seu Benfica. Mas todos, correlegionários e adversários, só podem prestar-lhe uma homenagem muito sincera pelo grande jogador que foi e pelo grande senhor que sempre soube ser no futebol. Numa época em que há tanto mercenarismo e tão pouco amor à camisola, em que qualquer miúdo acabado de chegar e recém-tatuado, que faz dois bons jogos, desata logo a suspirar por um «grande da Europa», o exemplo de dedicação de Rui Costa ao seu clube do coração cala fundo em todos, mesmo nos que não são benfiquistas. Que diferença para o suposto amor de Figo ao Sporting! Ao Rui Costa nunca lhe ocorreu acabar num Al Qualquer Coisa, a jogar petro-futebol. Preferiu acabar de bem consigo, mais rico por dentro e menos rico no banco. Chapeau!

Jesualdo Ferreira

Foi o grande vencedor do campeonato. Depois de uma dúzia de contratações quase todas falhadas (e cuja responsabilidade permanece incerta), meteu mãos à obra com o mesmíssimo onze do ano passado, mas desfalcado de Pepe e Anderson. Tratou da condição fisica da equipa, devolveu-os ao espírito de vitória e conquista que se tornou imagem de marca dos dragões, fez de Bruno Alves um inimaginável central de luxo, reinventou Lucho González e inventou Lisandro como ponta-de-lança devastador. E os resultados foram incomparavelmente melhores. Ganhou, nesta Liga, tudo o que havia para ganhar: o equivalente em pontos a sete vitórias de avanço sobre o segundo classificado, melhor registo em casa e fora, melhor resultado em casa e fora, maior número de vitórias, maior número de golos marcados e menor número de sofridos, melhor marcador, melhor jogador, Copa BES, equipa mais disciplinada. Com absoluta limpeza e autoridade dentro do campo e com elegância e desportivismo como ninguém mais.

Manuel Cajuda

Não faço parte do clube dos seus fãs, mas factos são factos: trouxe o Guimarães da segunda divisão e entregou-o no terceiro lugar da Liga. Melhor era impossível.

Carlos Carvalhal

Tacticamente, julgo que foi, a par de Jesualdo, o melhor treinador deste campeonato. Com o orçamento mais baixo da Liga e o plantel menos numeroso, pegou num clube à deriva e condenado a descer e deixou-o no 5º lugar, a somar à vitória na Taça da Liga e às meias-finais da Taça de Portugal. E isto, mesmo depois de lhe terem levado dois dos únicos três avançados que tinha, a meio do campeonato.

Lucho González, Lisandro López e Ricardo Quaresma

Para mim, constituíram o trio dos melhores jogadores deste campeonato. Como sou portista, dá para desconfiar, mas 20 pontos de avanço (vinte, sim, conquistados em campo e não nos caberets!) justificam a escolha. Lucho (que diferença para a época anterior!) foi puro perfume destilado em doses industriais nos relvados: com ele o futebol flui, em perpétuo movimento ascendente e cadenciado, feito de linhas de passe tão lógicas quanto inimagináveis. Lisandro foi o seu perfeito escudeiro e matador, aparecendo onde o pensamento de Lucho estava e sempre com uma fome de bola que só merece uma qualificação: que grande profissional! Enfim, o por vezes mal-amado Quaresma, digam o que disserem, contem mais ou menos golos e assistências, é o único que eu vejo hoje, a par de Cristiano Ronaldo, capaz de inventar com uma bola nos pés coisas que desafiam todas as leis da física e da geometria. Pode, até, muitas vezes, não servir para nada: mas eu pago bilhete para ver. Sempre.

Luís Filipe Viera

Foi o grande derrotado do campeonato. Anunciou a melhor equipa dos últimos dez anos (18 contratações!), e acabou em 4.º lugar, atrás de um clube vindo da segunda divisão. Escolheu e despediu treinadores, culpou os árbitros, o «sistema», o governo e Pinto da Costa por todos os erros próprios, declarou solenemente que os «resultados estão viciados» e apresentou supostas «provas», que, como de costume, nenhum jornalista teve coragem de lhe perguntar em que consistiam. Acabou desacreditado por todos, incluindo os próprios adeptos. Rui Costa pode ser a sua única aposta certa — se tiver a humildade suficiente para abandonar a frente do palco.

Valentim Loureiro

O outrora sócio e camarada de armas de Luís Filipe Vieira na direcção da Liga, o verdadeiro rosto do «sistema» viveu um ano de amargura. Julgado por causa dos seus empenhos telefónicos a favor… do Gondomar (coisas de um regente autárquico à moda caciqueira antiga), vê agora o seu Boavista arrastado pela lama: público ausente do estádio, equipa de recurso, ordenados em atraso, sentença preliminar de descida de divisão por «coacção sobre os árbitros», jogadores em debandada, direcção em fuga. Talvez mesmo, o fim de tudo. Ele, que até cumpriu a sua parte do acordo com Vieira, que ajudou a que o Benfica fosse campeão em 2004 sem jogar nada, ele que — como o revelou aquela escuta interceptada com o presidente do Benfica em que tanto se esforçava para arranjar um árbitro à medida dos desejos do parceiro (mandada arquivar pelo Ministério Público por não ter importância), ele, afinal, deve estar a pensar a esta hora de que serviu a parceria. Ah, onde estão, onde estão agora, major, os amigos de ontem? Os que diziam que era mais importante estar associado a si do que ter uma boa equipa de futebol?

Sporting

Acaba no segundo lugar, garante a Champions sem pré-eliminatória e até está na final do Jamor. Nada mau para quem tão pouco jogou. O paradigma da época do Sporting pode ser dado pelo jogo de Alvalade contra o FC Porto: foi massacrado desde o primeiro até ao último minuto, mas marcou um golo no primeiro remate à baliza graças a uma oferta imensa do Helton e um segundo, logo a seguir, em off-side. E ganhou o jogo sem saber como. O facto de, mais uma vez, ter sido, e de longe, a equipa que mais penalties teve assinalados a seu favor, é também apenas um dos lados de um fenómeno que aqui venho reportando paulatinamente: no meio desta tempestade dos Apitos Dourados e Finais, das eternas guerras contra o «sistema» e as arbitragens, o Sporting é o cavalheiro que passa entre os pingos da chuva sem se molhar. Mas, ano após ano, são eles os mais beneficiados pelas arbitragens. Não é o Porto nem o Benfica: é o Sporting. Isso não lhe tira nenhum dos seus méritos próprios, incluindo o de se bater contra os outros dois com armas desiguais. Mas é assim.

Ricardo Costa

Quase a terminar a contenda, o presidente da Comissão Disciplinar da Liga cumpriu a sua promessa de dar o veredicto sobre o «Apito Final». Sobre esse e o outro apito, pronunciar-me-ei em breve, com a atenção que toda essa fantochada justifica. Por ora, limito-me a registar a declaração do Dr. Ricardo Costa de que, já em Dezembro, o CD da Liga estava em condições de dar a sua sentença, faltando apenas elaborar a «fundamentação jurídica». Acontece, porém, que a nota de culpa foi enviada aos arguidos em Abril; eles contestaram, e a sentença saiu em 8 de Maio. Quer isto dizer que, confessado pelo próprio acusador e juiz, a sentença já estava estabelecida antes mesmo de haver acusação e defesa. Que tudo o que os arguidos apresentassem como contra-prova- documentos, testemunhos, etc — de nada serviria. Eu deixei de ser advogado no dia em que cheguei a um julgamento e o juiz, furioso por não haver acordo entre as partes e ambos os advogados insistirem que queriam fazer o julgamento, ter dito: «Querem o julgamento? Vamos a isso, mas olhem que a sentença já está dada!». Lembrei-me disso agora.

in jornal “A BOLA” de 2008.05.13
fonte: "fórum do All Dragons"

1 comentário:

  1. «Luís Filipe Vieira

    Foi o grande derrotado do campeonato. Anunciou a melhor equipa dos últimos dez anos (18 contratações!), e acabou em 4.º lugar, atrás de um clube vindo da segunda divisão. Escolheu e despediu treinadores, culpou os árbitros, o «sistema», o governo e Pinto da Costa por todos os erros próprios, declarou solenemente que os «resultados estão viciados» e apresentou supostas «provas», que, como de costume, nenhum jornalista teve coragem de lhe perguntar em que consistiam. Acabou desacreditado por todos, incluindo os próprios adeptos»

    Excelente este capítulo da crónica de MST. :)

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